Durante todos os anos de minha vida em que as
injustiças se estampavam violentamente sobre meu rosto, agredindo-me
silenciosamente, eu desejava em fuga ser a dona Maria, mãe de vários filhos que
responde ao apresentador do telejornal “boa noite”, e que tem como passatempo
favorito o show de calouros, aquele do velho Guerreiro “Chacrinha” com seu
troféu abacaxi e suas chacretes despudoradas.
Os falsos pudores dos antepassados ainda me ferem a
carne perturbando a mente.
-Ah! -O domingo! -Não! -Nada de domingão do Faustão! O
que imperava era Silvio Santos e seu magnífico show de calouros, repaginado aos
moldes dos dias atuais, jogando “dinheiro nacional” nos telespectadores,
levando a multidão ao delírio e destruindo o civismo perdido após a ditadura.
Novamente a consciência aos solavancos, trás me de
volta o olhar crítico que entrelaça atitudes e arbítrio, que é vista por mim
como humilhação.
E a musiqueta irritante! “Abelardo
Barbosa está com tudo”... Continua a me agredir os tímpanos, enquanto a dona
Maria: lava, passa e cozinha educando seus filhos para uma sociedade aos
avessos, bombardeada por valores imorais que estouram na escola e no país,
apossado por escândalos de todos os tipos.
E o tempo não para! Passa! E a sociedade transforma e
é transformada, mais as donas Marias caminham suavemente rumo ao que penso não
ter sentido. E o que tem sentido? O stress de uma louca que esbraveja palavras
misturadas a sonhos utópicos, tentado mudar o mundo, agredindo a si e a todos.
Por que se olha no espelho dizendo que o poder não é
capaz de corrompê-la, fingindo não saber que os não se corrompem, cavam suas
próprias sepulturas: Chico Mendes, líder dos seringueiros, Dorothy Stang:
freira assassinada no sul do Pará e provavelmente eu, “morta” por ideais que
como eles, não mudaram o que parece ser imutável.
Diante de fatos avassaladores, o contingente de Marias
aumenta empilhadas por todos os lugares, sobem e descem os morros, projetando
seus sonhos a fantástica loteria televisiva: Lata Velha, Lar doce lar,
Esquadrão da moda, Um dia de Princesa...
Enquanto seres como eu debatia-se em alto mar,
afogando-se na passividade de ações alienadas, perturbando e sendo perturbada
em diálogos que não se consolidam, pois os anos rebeldes se rebelaram
sepultando-se nas caras pintadas de uma juventude dominada pela mídia
“bandida”, que sobrevive dos horrores desta violência desmedida, que transforma
vilões em astro da TV.
Que para dona Maria. Sim! Aquela que sonho
ser, mas não consigo, pois ela acredita que tudo não passa de um grandioso
espetáculo da TV que termina quando o apresentador do telejornal diz:
Boa noite.
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